"Vivemos ainda nesse estranho regime que associa a moralidade à crença religiosa, como se existisse alguma relação entre religiosidade e comportamento moral, como se não soubéssemos nada sobre a lambança feita pelos padres com as crianças e adolescentes – para não falar dos séculos de lambança obscurantista e anticientífica promovida pelas religiões..." Idelber Avelar

terça-feira, 12 de outubro de 2010

DEUS, UM DELÍRIO - O MAGNÍFICO MANIFESTO ATEÍSTA DE RICHARD DAWKINS

Deus, um Delírio
O magnífico manifesto ateísta de Richard Dawkins

Richard Dawkins

Tradução: Laura Teixeira Motta, 2007
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9788535910704
528 páginas
(The God Delusion, 2006)


Um Momento Propício

Início do século 21. Após milhares de anos a religião enfrenta o pior de todos os inimigos, seu derradeiro nêmesis: a educação livre e de qualidade. Cada vez mais pessoas conhecem biologia, história, física e filosofia. Portanto não pode ser surpresa que atualmente, em países como Inglaterra, Espanha e Alemanha (onde a educação superior é amplamente disseminada), menos da metade das pessoas ainda acredite em alguma forma de “Ser Superior”.

Se algum dia o número de pessoas capazes de acreditar em algum tipo de Deus chegou mesmo a 95% da população, isto é passado.

É neste belo contexto que o biólogo e filósofo da ciência Richard Dawkins, em seu livro Deus, um Delírio (The God Delusion, no original), vem colocar mais lenha nessa fogueira e ajudar o fogo a queimar. Seguindo os passos de pioneiros como Sam Harris, que escreveu O Fim da Fé, e Daniel Dennett, autor de Quebrando o Encanto (ambos disponíveis em português), Dawkins dá um passo adiante e adota uma há muito tempo desejável postura de rebelião: a religião não é apenas uma ilusão inofensiva, ela é um perigo a ser combatido.


A publicidade americana do livro, ecoando John Lennon, diz tudo:


Dawkins possui duas vantagens em relação a seus antecessores: em primeiro lugar, poucas pessoas trariam tanta notoriedade ao tema quanto ele (penso, inseguro, em Stephen Hawking). E, de fato, lá fora Deus, um Delírio foi o best-seller surpresa de 2006. Ótima notícia. Segundo, o livro é menos filosófico e fala a língua do simples bom-senso - mais capaz de persuadir a massa, portanto. É verdade que contém algumas passagens científicas nebulosas, onde o autor precisou resumir idéias que, no passado, ele precisou de livros inteiros para explicar. Um mal inevitável, que o leitor de primeira viagem fará muito bem em contornar, procurando os livros anteriores.


Refutando a Teologia

Mas a filosofia está presente: o livro é um guia básico mostrando que a religião não é defensável por nenhum critério, seja o da verdade, seja o da bondade e da moral ou simplesmente o critério do "conforto proporcionado" - a visão do Inferno não traz grande conforto, pra dizer o mínimo. Dawkins não tem muito trabalho, pois é muito fácil defender o óbvio: o que ele tem é coragem, num mundo onde caricaturas de Maomé ainda rendem assassinatos vingativos!

E ele faz a faxina completa: refuta as “provas” da existência de Deus (essa é barbada), mostra a alta probabilidade de que Deus positivamente não exista e, feito este trabalho mais óbvio de localizar a religião no campo da ilusão, passa à moral: mostra que a religião não melhora a vida de ninguém, mostra que nosso senso moral é independente da religião (ou seja, quando somos bons, não é por causa da crença em Deus) e, decisivamente, mostra o verdadeiro Mal provocado diretamente pelas religiões.

Neste particular, aliás, a obra é bastante incisiva. Mesmo sem abordar eternas cicatrizes religiosas como a Santa Inquisição e as Cruzadas, o que não faltam são atrocidades de todos os tipos cometidas em nome de Deus, muitas acontecendo ainda hoje nos quatro cantos do planeta: castração e subjugação femininas, homens-bomba, exploração financeira dos crédulos, guerras "étnicas", perseguição a homossexuais, sem falar dos numerosos "males menores".

Já outras páginas são dedicadas à crítica direta da própria Bíblia, enfatizando o quase inacreditável terror fascista produzido e ordenado por Deus, no Antigo Testamento. Esta não é apenas a parte mais engraçada de Deus, um Delírio, mas talvez uma das mais importantes. A grande maioria dos que professam as religiões bíblicas simplesmente não leram o que está escrito ali. As informações bíblicas que Dawkins "divulga" vão surpreender muita gente, o que pode ser decisivo para fazer muitos "não praticantes" mudarem de idéia.


Combatendo a Religião

E, se Deus, um Delírio consegue ser um ótimo guia anti-teísta, ele é um manifesto anti-religião melhor ainda, mirando sobretudo o nefasto papel social das crenças religiosas. E toca na ferida, o ponto central: diferentemente das opiniões políticas, esportivas ou artísticas, que podem e devem ser alvo de críticas racionais, as opiniões religiosas ainda pretendem ser imunes ao questionamento, vetando assim o papel da racionalidade, o que é um perigo.

O autor desafia este status quo e não faz deferência aos religiosos, criticando a religião como se criticasse qualquer outra forma de ideologia. Ou seja, com respeito, mas não com o tipo de "respeito" especial que os religiosos - melindrosos que só eles - acham justo: "por favor, não faça perguntas, isto é intolerância". Se bem que isto é compreensível, pois exigir respostas racionais de um religioso é o mesmo que envergonhá-lo.

A razão de ser de Deus, um Delírio é esclarecida pelo autor: “Meu sonho é que este livro ajude as pessoas a sair do armário. Exatamente como no caso do movimento gay, quanto mais gente sair do armário, mais fácil será para os outros fazer a mesma coisa. Pode ser que haja uma massa crítica para o início da reação em cadeia”.

Para isto, Dawkins vai buscar, com perspicácia, o apoio imprescindível de homossexuais, das mulheres e, além disso, de qualquer um que esteja preocupado com a saúde mental das crianças – estas três figuras, homossexuais, mulheres e crianças, foram aterrorizadas pela religião ao longo de toda a história e, ainda hoje, dela sofrem preconceito e violência (os dois primeiros) e manipulação descarada, além de abuso psicológico (as últimas).

Outra maneira de enfraquecer a pessoa de fé é, simplesmente, falar de várias religiões. Em geral, o truque religioso é simplesmente não pensar no problema. Mas quem ler Deus, um Delírio será forçado a isto: como se sentir confortável com sua crença em particular se, ao mesmo tempo, você precisa admitir que todas as outras crenças religiosas são igualmente boas? E também não ajuda muito você fazer como o Papa e afirmar que apenas a sua fé é a correta: quer dizer que, dentre centenas, te ensinaram logo a religião certa?


A Reação

A reação típica à Deus, um Delírio é tão ridícula quanto óbvia: Dawkins é "arrogante", "intolerante" e quer "impor" sua visão de mundo a todas as pessoas. Merece resposta? Não. Mas é preciso dá-la assim mesmo, pois os religiosos inconformados - e perigosos - ainda são a maioria no mundo. E a resposta de Dawkins é simples: meus "ataques" não passam de palavras.

Há milênios que os religiosos matam, queimam, aprisionam ou escravizam aqueles que têm uma opinião contrária. O pior passou, apesar do Talibã. Agora, os mais moderados “apenas” se sentem no direito de propagar suas crenças na TV, na rua, nas decorações públicas, nas notas de dinheiro, enquanto tentam silenciar qualquer ateu que abra a boca pra argumentar. Isto é intolerância. É como faziam contra os gays: “viva sua aberração na privacidade”. Isto é justiça?

Mas Dawkins, com muita razão, nem perde tempo com a cegueira dos homens de fé. Ele mira os ateus e agnósticos que covardemente aceitam esta preeminência religiosa. São eles os maiores entraves à emancipação ateísta. Eles seriam os equivalentes de gays que, no passado, achavam correto viver sua sexualidade no ostracismo, baixando a cabeça diante do altar do preconceito. Felizmente os gays foram buscar o que era seu: o mesmo respeito e os mesmos direitos de que gozam os heterossexuais. E estão mais perto de conseguir isto do que nunca.

Quanto aos ateus, veremos mais diante as dificuldades.


Preconceito

Deus, um Delírio também mostra que muitas pessoas - muitas mesmo - estão sofrendo horrores em suas relações familiares e amorosas, pois as pessoas religiosas estupidamente misturam crenças com amor. De fato, a maioria dos ateus que conheço são confidentes meus: eles não podem se assumir para as pessoas que amam. Namoros são terminados. Amizades esquecidas. Há pais que dizem "nunca mais quero ver você" para um filho que se declare ateísta.

Então, nem pense em ateus declarados conseguindo emprego ou, pior, na eleição de um presidente ateísta. O ateus mantém segredo, daí a errada idéia de que são extrema minoria. São muito mais numerosos do que se pensa, sobretudo entre os de formação acadêmica elevada. Dawkins o demonstra para os Estados Unidos, mas no Brasil é o mesmo. Fernando Henrique Cardoso foi presidente aqui, mas seus eleitores não sabiam que ele é ateu.

Por falar em Brasil, a revista Superinteressante deu uma senhora ajuda para Deus, um Delírio, preparando terreno com a histórica capa de junho “Darwin: o homem que matou Deus” e divulgando o livro de Dawkins em agosto passado, na matéria sobre o autor com o título-isca “O Aiatolá dos Ateus”, sob medida para atrair religiosos sedentos por uma matéria desfavorável – o título é tão absurdo que enfureceu alguns fãs de Dawkins, mas como a matéria é tão positiva sobre o livro, está claro tratar-se de um “cavalo de Tróia” para os religiosos que, de outro modo, nem abririam a revista.


Idealismo Ateísta

É assim que o brilhante cientista de O Gene Egoísta e O Relojoeiro Cego, se torna, corajosamente, um não menos brilhante idealista. Esta, aliás, deve ser a resposta mais avassaladora àqueles que, erradamente, ainda insistem que a teoria do gene egoísta implica em "determinismo genético" e que, portanto, "nada pode mudar, pois somos escravos dos genes". Se isto fosse verdade, quem poderia ser mais conservador do que Dawkins? Mas ele quer melhorar o mundo, acabar com a religião ou, ao menos, salvar muitas pessoas do obscurantismo. E isto é tão perfeitamente possível quanto o fim da escravidão.

O idealismo de Dawkins tem seu grande momento no pedido para que os ateus e religiosos conscientes jamais permitam a rotulação de crianças como "cristãs" ou "muçulmanas". Adultos têm religião, crianças não. É preciso conscientizar as pessoas disso. "Use todas as oportunidades para marcar essa posição", pede o autor. Se o leitor religioso achar um absurdo não ter "liberdade" para impor sua religião sobre crianças sem discernimento, imagine seu vizinho ateu lhe dizendo: "meu filho de 6 anos é ateu". Também seria absurdo, mas os ateus não costumam cometer tais abusos.


Ateus contra Dawkins

Outra razão que torna o idealismo ateísta urgente:

Há uma convenção implícita na sociedade atual: "Ateu bom é ateu calado. Falar aos outros de sua fé em Deus, tudo bem. Mas não ouse vir aborrecer as pessoas com suas 'crenças' sobre ateísmo, pois é grave ofensa pra elas!". É compreensível que os próprios religiosos cultivem alegremente esta mentalidade estúpida. O triste é ver ateus concordando.

Dawkins ousou fazer a mesma coisa que todos os religiosos fazem de forma bem mais agressiva. Ele tornou suas idéias públicas. Só que ele apenas publicou um livro, enquanto a religião invade a programação de TV, os estabelecimentos públicos e o colégio das crianças. Apesar disto, o que temos? Ateus criticando Dawkins por "desrespeitar" a religião!

A idéia, ao que parece, é que negar Deus é uma ofensa diante daqueles que tem fé. Simples assim. Mas e o contrário? Por esta lógica absurda, afirmar a existência de Deus diante dos ateus não deveria soar igualmente ofensivo? Obviamente não ofende, porque os ateus são racionais. O ponto é que, se um religioso se ofende ao ouvir alguém negando sua fé, o problema é dele.

Mas a realidade, como já dito aqui, é que muitos ateus baixam a cabeça e se submetem voluntariamente à causa da opressão religiosa: se você bate muito no cachorro, ele acaba achando que merece. Ora, neste cenário absurdo, o idealismo ateísta de Richard Dawkins só merece aplausos por esta firme - e urgente - tomada de posição.

*****

Deus, um Delírio, portanto, é uma obra de absoluta importância. As pessoas estão abrindo a cabeça e o empurrão certo, neste momento específico, pode ter um efeito devastador. De fato, a iniciativa bombástica de Dawkins já é fruto de um início mais modesto, devido a autores como Sam Harris e Daniel Dennett. E não vai parar. Dawkins não apenas escreveu um livro: ele criou a Fundação R. Dawkins para a Razão e a Ciência, destinada a combater os males do obscurantismo.

Em que mundo nós vivemos?

Tanta polêmica, tanta briga e desconforto, por conta de uma obra que, a bem da verdade, não faz nada mais além de refutar a existência de um ser fictício do mesmo calibre de seres como Papai Noel, duendes, unicórnios ou dragões. Infelizmente muitas pessoas acreditam neste ser fictício e são capazes de absurdos em nome dele.

Como dizia o falecido o autor de O Guia do Mochileiro das Galáxias, a quem Deus, um Delírio é dedicado (não pude evitar repetir a citação do livro):

"Não basta apreciar a beleza de um jardim,
sem ter que imaginar que há fadas nele?"
- Douglas Adams

Mais Informações

Ler matéria da Superinteressante, O Aiatolá dos Ateus

Ver documentário de Dawkins, A Raiz de Todo Mal - O Vírus da Fé

Ver documentário de Dawkins, A Raiz de Todo Mal - A Delusão de Deus

E-books de Dawkins, incluindo Deus, um Delírio

E-book Carta a Uma Nação Cristã, Sam Harris

Comprar O Fim da Fé, Sam Harris

Comprar Quebrando o Encanto, Daniel Dennett

Site da Fundação Richard Dawkins (inglês)


por Lauro Edison, 9 de setembro de 2007



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